GQ Brasil

ABRE ASPAS

Heptacampeão mundial de Fórmula 1, Lewis Hamilton ascende na luta antirracista e se firma como o melhor dentro e fora das pistas

LEWIS HAMILTON em depoimento a ERNESTO XAVIER

Cresci apaixonado pelo Brasil antes mesmo de vê-lo pessoalmente. O único brasileiro que conhecia, claro, era o Ayrton (Senna); mas, mesmo estando no Reino Unido, sempre torcia pelo Brasil. Eu adorava ver o Brasil jogar, e me sentia em conflito porque não era o meu país. Na verdade, eu estava vendo pessoas que se pareciam comigo, que tinham a minha aparência. Quando cheguei ao Brasil pela primeira vez, fiquei muito emocionado, porque eu estava, em essência, em casa.

Já no fim de 2019, eu me sentia frustrado, porque tinha visto todas as fotos das equipes (de Fórmula 1) e havia tão pouca diversidade. Eu pensei: “Estou aqui há 14 anos, como é isso? O.k., eu tenho que fazer algo”. Foi por isso que iniciei a Hamilton Commission (entidade que visa a aumentar a representatividade e a inclusão de profissionais negros no automobilismo, em toda a estrutura das equipes de Fórmula 1). Então, tudo começou com George Floyd, aconteceu o Black Lives Matter e foi um momento realmente poderoso para muitas pessoas, e particularmente para mim — para aprender, perceber como usar minha voz e como eu queria lutar.

Porém, entre todas as equipes, não há representação negra, exceto na nossa (a Mercedes-AMG Petronas), mas não no topo, entre os executivos. Temos um em nossa equipe. Além disso, há falta real de mulheres, principalmente em cargos importantes.

Quando questionei, ninguém sabia dizer por que o esporte (automobilismo) apresentava tão pouca diversidade. As pessoas estavam pensando em pilotos. Somos apenas 20, e mudar a realidade é difícil, porque se trata de um esporte muito caro, mas o que é realmente importante é que temos 2.000 pessoas que construíram meu carro. Em cada equipe, há uma quantidade enorme de pessoas — são empregos diversos na área de engenharia ao redor do mundo, não apenas na pista. Descobrimos que há muitos profissionais, principalmente no Reino Unido, mas não está na mente dos jovens negros essa possibilidade. Eles não acham que esse seja um caminho que possam seguir.

MODELOS DE COMPORTAMENTO

Há uma ausência de modelos de comportamento, de representatividade, uma falta de visibilidade, compreensão; faltam professores negros. Crianças não estão buscando a área científica. Então, agora, trata-se de divulgar esses fatos e, em seguida, recomendar o que podemos fazer a respeito. No entanto, há questões estruturais. Há um trabalho que precisamos fazer na educação, na base, nas escolas, para conseguir mais representatividade, para encorajar as crianças e passar a elas a mensagem de que isso é possível para elas.

Mas não se trata apenas de jovens negros: é sobre gênero, pessoas com deficiência, pessoas subrepresentadas, que vêm de ambientes sociais e econômicos inferiores, de contextos desafiadores.

Eu percebi quando era mais jovem que deveria falar sobre racismo na F1, porque vivi isso ao longo da minha carreira, desde muito cedo, na escola e no kart. Quando vim para a F1 ainda acontecia muito. Houve um incidente, por exemplo, em 2008, em Barcelona, quando um grupo de pessoas se pintou de preto, colocou perucas, fez sons de macaco e me insultou. Lembro que ninguém disse nada. Eu estava muito sozinho, e a única pessoa que entendeu foi meu pai (Anthony Hamilton). Ele foi o único que percebeu como eu me sentia. E eu tentei falar sobre isso, mas foi muito difícil, até para mim. Acho que as pessoas não estavam preparadas para ouvir esse tipo de coisa naquela época.

Hoje, vivemos um momento em que isso mudou, e a resposta foi linda nos últimos 18 meses. Tem sido difícil com a pandemia, mas é incrível ver a resposta de muitas pessoas que ficaram com a mente mais aberta; alguns se educaram. Eu tenho uma amiga com quem trabalho que disse, em 2008: “Eu nem percebi”. Mas hoje ela fala: “Eu não sabia como lidar com isso, não sabia o que significava e como afetaria você. Desculpe, pois não estive lá para você. Agora passei por esse processo de aprendizagem”. Isso é tudo o que eu sempre quis ouvir. Atualmente trabalhamos juntos em como podemos ser melhores.

Todos os parceiros com quem estou trabalhando não teriam continuado comigo se não se responsabilizassem.

Acho que agora estamos vendo mais marcas se diversificando. No passado, eu não tive nenhuma oportunidade de trabalhar com fotógrafos negros, então foi muito legal que a IWC Schaffhausen tenha sido inovadora, com a mente aberta para criar mais espaço para a diversidade.

Misan Harriman (fotógrafo negro que fez a campanha de Hamilton com a marca de relógios) é incrível; ele fotografou tantas pessoas talentosas ao longo do tempo e, particularmente no ano passado, produziu imagens icônicas de algumas das marchas do Black Lives Matter, imagens realmente impactantes.

MODA

Quando eu vim para a Fórmula 1, sabia que podia dirigir, mas não sentia que me encaixava. É tudo muito corporativo, e eu não sentia que poderia ser eu mesmo. Quando fui a desfiles de moda, pensei que talvez pudesse ser ali. Porém, descobri que também falta representação nessa área. Estou num ponto da vida em que não quero fazer as coisas a menos que haja um impacto, a menos que haja uma razão. Fui convidado para o Met Gala e pensei: “O que posso fazer com essa oportunidade?”. Eu não vou apenas me sentar lá e curtir a noite. Como posso utilizar essa plataforma de maneira mais eficiente? Celebrar a história americana e a cultura negra faz parte disso. Pensei: “Poderia trazer jovens designers negros dos Estados Unidos que não têm visibilidade suficiente e que não participariam desse evento. Vou perguntar se isso é possível”. Quando consultei a Anna (Wintour, diretora artística do grupo editorial Condé Nast), vi que ela amou a ideia. Foi realmente uma noite linda. Eu acho que aproveitar a posição privilegiada em que estou para fazer outras pessoas brilhar tornou minha noite especial.

CARTA DO DIRETOR

pt-br

2021-11-10T08:00:00.0000000Z

2021-11-10T08:00:00.0000000Z

https://gqbrasil.pressreader.com/article/281668258214124

Infoglobo Conumicacao e Participacoes S.A.