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TIKTOKER RAIZ

Dos milharais aos 10 milhões de seguidores em apenas um ano, o mineiro Gustavo Tubarão é um meteoro caipira que não dispensa Hamlet nem tatuagens

Texto Pedro Lobo | Fotos Rodrigo Marques

Gustavo Tubarão está apreensivo com a chegada do Natal, o primeiro depois da fama. “Eu quero olhar nos olhos das minhas tias e dos meus primos que me julgaram só para ver qual vai ser o assunto deles neste ano”, brinca o rapaz de 21 anos, morador de Cana Verde, cidade de 5.000 habitantes no sul de Minas Gerais, que ouvia da família que passaria fome ao escolher a carreira de ator.

Hoje, Tubarão é um dos nomes em ascensão no humor. Ele faz graça com chapéu na cabeça e botina nos pés falando da vida no campo — o que chama de “identificação mineira”. Em um ano, reuniu impressionantes 5,2 milhões de seguidores no Instagram e outros 4,8 milhões no TikTok. O sucesso atraiu a atenção de marcas de peso, como Guaraná Antarctica, 99Food, Acnase e Neo Química, que fizeram parcerias recentes com o comediante. “Gosto de trabalhar me divertindo, entendeu?”, diz ele, que afirma ter conquistado a independência financeira.

Mas a labuta é séria. Atleticano roxo — ele tem uma tatuagem do escudo do time com um galo nas costas —, não consegue nem mais assistir aos jogos do clube do coração por causa das viagens. Em cada mês, pelo menos duas semanas são fora de casa, viajando entre São Paulo e Belo Horizonte, onde aluga um apartamento para as reuniões de trabalho e gravações publicitárias. “Pode botar aí dez dias tudo no carro e no avião”, diz. “Eu gosto, porque eu sonhava com isso, né? Fui andar de avião pela primeira vez no fim do ano passado.” Hoje, o interior de Minas é sinônimo de criação de conteúdo, roteiro e filmagem. O sítio onde o pai cria algumas cabeças de gado, num trabalho paralelo ao de servidor público, virou o seu palco. “Gosto muito de roça, que é onde eu gravo e vivo hoje. Às vezes eu não vou nem filmar nada, mas olho para a casa e parece que eu já vou ficando ansioso de gravação, da casa cheia dos meus amigos.” Para o trabalho, ele tem a ajuda de sete parceiros,

“EU PENSEI: VOU PARAR DE IMITAR, VOU FAZER MEUS TREM. VAMOS VER SE DÁ CERTO MOSTRAR QUEM SOU. E DEU”

carinhosamente apelidados de “os largo”, que acabaram se tornando criadores de conteúdo também.

Para Tubarão, as redes sociais são exclusivamente para trabalho. “Não acompanho ninguém, não assisto às coisas de ninguém. Dou uma olhada no "feed" raramente. Quando tá muito no tédio, a gente fica vendo vídeos, mas eu não acompanho nada", conta. "Eu acho que é um erro. Tem muita coisa, assunto do dia a dia, em que às vezes eu fico por fora.”

BOTINA NA ESCOLA

Gustavo Tubarão começou a criar conteúdo no YouTube há quatro anos. Foi a forma que encontrou para aliviar um diagnóstico de depressão e síndrome do pânico na adolescência — quadro que se agravou com o achincalhe que sofreu quando o pai foi transferido para a capital do estado, Belo Horizonte, e levou a família junto. “Eu sempre usei chapéu na roça, mas no dia a dia nunca fui de usar. Nem era porque eu não queria, mas era de vergonha. O chapéu é um trem que chama atenção e eu já sofri bullying demais quando mudei para BH. Parei de usar botina na escola, porque o povo me zoava. Imagina se eu fosse de chapéu, entendeu?”, relembra. “Nossa Senhora! Foi muito preconceito que sofri por vir da roça.”

Ao tentar esconder suas origens, Tubarão acabou também engavetando por um tempo as possibilidades de sucesso. “Eu comecei sem nicho, perdido, cada hora falava de uma coisa, fazia até paródia de música. Apaguei de vergonha, de tão ruim que era. Não conseguia achar meu público, porque eu imitava o (Julio) Cocielo. Para você ter noção, eu não botava o meu sotaque. Não tinha referência nenhuma de gente que conversa igual a mim, que é do interior de Minas Gerais, dando certo na internet. Depois de uns anos, eu pensei: gente, eu moro na roça. Vou parar de imitar, vou fazer meus trem. Vamos ver se dá certo, vamos mostrar quem realmente eu sou, minha verdade. E deu.”

A autenticidade coroa uma fórmula de textos espertos e coerentes, com valores contemporâneos, sem machismo nem outros preconceitos. O riso vem de coisas como a casa de um amigo rico ser tão grande que deveria ter dois fusos horários — e por aí vai, sem ofender ninguém.

Ele ficou tão popular que já acabou vítima de perseguição de fã. “Entraram na roça para passar susto em mim, como se fosse assalto. Eu fiquei desesperado."

FUTURO

Se o sucesso não tivesse chegado pela internet, Gustavo Tubarão teria terminado o curso de ator que começou em Belo Horizonte. Ele sempre teve vontade de atuar em novelas. “Quero o papel mais diferente possível, para ter uma experiência nova. Olhar e falar: que trabalho cabuloso. Fazer um vilão, um cara de ação”, conta. “No teatro, eu só fiz vilão psicopata. O que eu mais gostei foi Hamlet. Meu Deus! Ele era maldoso para um c...”, lembra.

Apesar de viver de comédia, o rapaz elenca o terror como o gênero favorito. “Imagine um espantalho de Minas Gerais. Sai matando todo mundo com a unha do dedão do pé”, sugere entre risadas. Essa cruzada pelos milharais mineiros pode ter roteiro e direção assinados por ele próprio. E ainda conta que já teve ideias de séries que ficaram no papel e até de roteiros descartados.

Entre os sonhos, porém, talvez o mais alto esteja fora dos sets. Ele quer fundar na sua região uma instituição beneficente para tratamento psicológico acessível. Nada mal para quem começou com celular financiado pela avó, que era piada na escola e hoje se consagra com leveza e inteligência.

CARTA DO DIRETOR

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2021-11-10T08:00:00.0000000Z

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https://gqbrasil.pressreader.com/article/281736977690860

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