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EM FOGO BRANDO

O salto no consumo de antidepressivos nos últimos tempos desencadeou uma piora na vida sexual que pode estar relacionada à medicação: a diminuição da libido

TEXTO ELISABETE ALEXANDRE

O publicitário Erick Ramalho, de 28 anos, estava terminando a faculdade, em 2014, quando sentiu a pressão de entregar o trabalho de conclusão de curso (TCC), trabalhar, ter dinheiro suficiente para pagar as contas e não negligenciar a vida social nem a afetiva (ele estava namorando na época). Isso fez com que procurasse ajuda médica. A expectativa de “um comprimido ao dia = conseguir viver de forma plena” não se cumpriu: “Comecei a virar uma ameba”, conta ele. “Sou muito frenético e vi tudo desacelerar. Pensei: ‘Esse não sou eu’”, relembra. O tratamento com antidepressivos, quando bem prescrito e acompanhado, pode ajudar muita gente a pôr a vida nos eixos. Não foi o caso de Erick. Um dos piores efeitos: o desejo sexual foi fortemente afetado. Erick está longe de ser uma exceção.

Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) mostram que 5,8% da população do Brasil sofre de depressão — cerca de 12 milhões de brasileiros. Isso coloca o país no topo do ranking da depressão na América Latina, com o maior número proporcional de casos da doença. Se considerarmos todo o continente americano, ocupamos o segundo lugar, perdendo apenas para os Estados Unidos, que têm 5,9% da população sofrendo desse mal. São dados de antes da pandemia da covid-19. Há evidências de que houve piora desde então. A venda de antidepressivos no Brasil cresceu 17% durante a pandemia, segundo o Conselho Federal de Farmácia.

"A maior queixa dos homens que usam antidepressivos é a perda da libido", diz o urologista João Bunhara, diretor científico da Omens, uma plataforma digital focada na saúde sexual masculina. "Não é incomum, por exemplo, que os homens se queixem da redução da qualidade da ereção após a introdução de um antidepressivo e do aumento do tempo que levam para chegar ao orgasmo”, explica Gabriel Becher, psiquiatra, psicoterapeuta e médico assistente do Grupo de Estudos em Sexualidade Humana (ProSex) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (HCFMUSP).

Pode parecer uma contradição um medicamento que deveria trazer felicidade derrubar um dos maiores prazeres da vida, mas o jogo dos neurotransmissores no organismo é mesmo complexo. Ao regular os níveis de serotonina (um dos neurotransmissores responsáveis pela sensação de bem-estar), fazendo com que o paciente se afaste da depressão, um antidepressivo pode acarretar o desequilíbrio de outros neurotransmissores, como a dopamina, que é diretamente ligada à libido.

GERAÇÃO PROZAC

A classe de antidepressivos mais prescrita no Brasil é justamente a dos inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRSs), com nomes comerciais bastante conhecidos: Prozac, Zoloft, Paxil, Celexa e Lexapro. Este último foi o que Erick tomou em 2014. “Dentro das primeiras semanas, o efeito colateral desses fármacos na questão sexual, como o retardo no orgasmo, a queda da libido e a disfunção erétil, acontece em até 70% dos casos, segundo estudos, e, quanto maior a dose, maior o risco de isso acontecer”, diz Bunhara, que também é médico assistente do Hospital Albert Einstein.

“As alternativas para um paciente que se queixa de redução da libido durante o tratamento com antidepressivo são a diminuição da dose ou até a suspensão do remédio, se possível. A troca de medicação também é uma opção, assim como a associação de outro fármaco, ou seja, o acréscimo de uma segunda medicação que tenda a atenuar os efeitos colaterais da primeira. A bupropiona, por exemplo, pode ser associada a outros antidepressivos ISRSs, para tentar amenizar o efeito deles sobre a resposta sexual”, explica Gabriel Becher.

Prestar atenção no próprio corpo, com calma, é fundamental. O organismo tem um período de adaptação natural ao remédio. “Cerca de 10% das pessoas relatam a volta da libido para níveis normais em até seis meses de uso contínuo do antidepressivo; outros 10% chegam a recuperá-la parcialmente; mas a da maioria continua insatisfatória”, informa João Bunhara. Para isso, claro, existem ajustes no tratamento. Com o acompanhamento de um bom médico, a vida sexual tende a entrar nos trilhos.

CARTA DO DIRETOR

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2021-11-10T08:00:00.0000000Z

2021-11-10T08:00:00.0000000Z

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