GQ Brasil

QUESTÃO DE PELE

Pessoas negras precisam, sim, de protetor solar - mas formulações pensadas para a alta quantidade de melanina eram raras até há pouco tempo. Novos produtos visam a preencher essa absurda lacuna

TEXTO ERNESTO XAVIER

O problema é bem conhecido por pessoas negras: sabe-se da necessidade de passar protetor solar diariamente, mas muita gente não usa o produto pela dificuldade de encontrar uma opção que não deixe a pele acinzentada.

Em um mercado que reúne mais da metade da população (54% dos brasileiros são pretos ou pardos, segundo o IBGE), era de esperar que fosse fácil encontrar produtos do gênero que atendessem às demandas desse grupo, mas não é bem assim: “Um dos pontos que evidenciam o racismo é ver que produtos como esse não são elaborados para gente negra. Como se não tivéssemos direito a formas de cuidado, direito à saúde, já que é um modo de proteger a nossa pele sem nos deixar desconfortáveis socialmente”, diz o fotógrafo e apresentador Roger Cipó.

O "white cast", nome dado à camada esbranquiçada que um protetor solar pode deixar na pele, é fruto dos componentes escolhidos pelos fabricantes. Já existem filtros químicos que permitem a construção de um FPS alto sem deixar marcas brancas ou acinzentadas na pele: "Venho realizando vários trabalhos junto a laboratórios para que tenhamos filtros com cores que melhor se adaptem às diferentes tonalidades de pele negra", conta a Dra. Katleen Conceição, membro do Skin of Color Society.

Marcas como Adcos, Garnier, Avène, Darrow, Isdin e Sallve (imagens na pág. ao lado) perceberam que era o momento de mudar o cenário, com protetores incolores ou com cor indicados para diferentes tonalidades e que cobrissem imperfeições, como se fossem uma base de maquiagem.

“Minha maior preocupação foi adaptar um produto essencial para peles como a minha, ou seja, que não a deixasse acinzentada, esbranquiçada, como sempre ocorreu quando usei protetores solares. Pensamos muito na experiência do uso e percebemos que ele deveria ser perfeito para todos”, conta Ana Sofia Barbosa, desenvolvedora do protetor da Sallve, startup brasileira de cosméticos.

A dermatologista Katleen Conceição, a maior referência em pele negra no país, reforça que “todas as tonalidades necessitam de fotoproteção”, e completa dizendo que se deve proteger a pele “inclusive da luz visível (aquela que é capaz de iluminar objetos tornando-os visíveis), pois a pele negra mancha-se com facilidade. Ela necessita de filtro com FPS 30, no mínimo, reaplicado a cada três horas, mesmo dentro de casa e em dias nublados".

“A maior quantidade de melanina não confere 100% de proteção contra a radiação solar, nem deixa alguém imune contra as alterações provocadas no DNA das células”, alerta a dermatologista Patrícia Mafra. Segundo ela, “a recomendação é usar um produto mais fluido e com cor para ajudar na uniformização da pele”.

No universo dos protetores com cor, a caminhada ainda está no início no Brasil. Garnier, L’Oréal e Adcos apresentaram recentemente tonalidades mais escuras, que se adaptam bem à pele negra retinta. Avène, Isdin e Darrow lançaram no Brasil fotoprotetores mais claros.

A infinidade de tons de pele demonstra a quantidade de melanina presente em cada um. Quanto mais melanina, mais escura é a pele e mais protegida ela está. A partir disso, convencionou-se, erradamente, que a pele negra não necessita de proteção. “Quem são as pessoas que vendem produtos na praia? Na maioria, homens e mulheres negros. Eu sempre digo que protetor solar deveria ser dado pelo SUS. Algumas questões estão além da estética. Cuidar da pele não é uma vaidade”, finaliza Roger Cipó.

CARTA DO DIRETOR

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2021-11-10T08:00:00.0000000Z

2021-11-10T08:00:00.0000000Z

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