GQ Brasil

RENASCIMENTO DO PALADAR

A França está à frente da pujante retomada da cena gastronômica na Europa, puxada por notáveis novos restaurantes comandados pelos chefs pluriestrelados Alain Ducasse, Arnaud Donckele e Mauro Colagreco

TEXTO ALEXANDRA FORBES

Parece que foi ontem que a gente se via nas trevas, e a ideia de ir à Europa comer e beber soava como sonho de um passado distante. Mas, aos poucos, e apesar dos sustos e tropeços, as viagens começam a ser uma possibilidade real com a reabertura das fronteiras. Por lá, como por aqui, muitos restaurantes sucumbiram, mas os que ficaram de pé retornaram — ou estrearam — lotados. E é na França onde mais transparece a pujança do renascimento da cena gastronômica. Sua estrela-mor, o chef Alain Ducasse, desde junho comanda o luxuosíssimo Le Grand Contrôle, restaurante situado em pleno Palácio de Versalhes que homenageia Maria Antonieta e Luis XVI. Os jantares à luz de velas buscam replicar a pompa de outrora, e os garçons se vestem a caráter (casacas de brocado e meiões brancos). Um toque de sino convida os comensais a se sentarem às mesas decoradas com candelabros de prata e taças de borda dourada. O menu (€ 380 por pessoa, cerca de R$ 2.400) traz versões dos pratos favoritos da realeza no século XVIII, como ovos com caviar e pernas de rã. A harmonização de vinhos (€ 500 por pessoa, ou R$ 3.200)

MAL ABRIU, O CETO, NA RIVIERA FRANCESA, JÁ É A RESERVA MAIS DISPUTADA PELOS ENTUSIASTAS QUE CAÇAM JANTARES DOS SONHOS

inclui safras antigas dos châteaux Yquem e Mouton Rothschild. Os que podem ficar para dormir — o restaurante está dentro do caríssimo Airelles, com apenas 14 suítes — têm o privilégio de passear pelo palácio à noite, longe dos turistas.

Nada bobo, o chef abriu também há pouco um restaurante que é o oposto dessa chiqueria toda. No Sapid, que Ducasse define como um “refeitório servindo cozinha da terra, nômade e sustentável”, entradas custam em média € 9 e pratos, € 13. O foco são os legumes e cereais. Compõe o leque de novidades o "pop-up" que abrirá no dia 10 deste mês com um dos mais famosos e premiados chefs do mundo, o catalão Albert Adrià. O ADMO funcionará por 100 dias na cobertura do museu Quai Branly, com vista para a Torre Eiffel. Os lugares estão praticamente esgotados.

Outra estrela francesa — Arnaud Donckele, cuja casa em Saint Tropez, La Vague d’Or, exibe a cotação máxima do Guia Michelin — acaba de aportar em Paris. Tido por alguns como o Ducasse de sua geração, ele é igualmente ambicioso e competitivo. “Há 17 anos eu trabalho sete dias por semana, 17 horas por dia”, diz. Em setembro, assumiu o comando do Plenitude, na cobertura do novo hotel Cheval Blanc Paris, às margens do Sena. Os menus degustação elaboradíssimos, a impressionante adega esculpida em madeira e a equipe vasta deixam claro que Donckele tem fome de estrelas Michelin. No mesmo local, ele toca também a simpática brasserie Le Tout Paris, onde o cliente escolhe se quer a carne ou o peixe grelhados, salteados ou na chapa. No térreo, comanda um terceiro restaurante, o Limbar, especializado em pães artesanais.

As novidades de Donckele são o filé-mignon da larga oferta gastronômica do complexo formado pelo hotel e pelo shopping anexo, La Samaritaine, ambos pertencentes ao conglomerado LVMH. O hotel tem outro restaurante badaladíssimo, o Langosteria, filial do hit milanês homônimo. Já o Samaritaine conta com um sem-fim de bares e restaurantes de estilos e níveis de preço diferentes. Mas o mais bacana lá nem é a comida, mas a beleza estonteante do edifício art nouveau (inaugurado em 1870) com seus afrescos originais e o telhado de vidro. Fechado desde 2005, passou por um restauro de seis anos.

No páreo pelo título de inauguração mais espetacular do ano está o cinematográfico hotel The Maybourne Riviera, ao lado de Mônaco. Palácio modernista envidraçado, encrustado na rocha e debruçado sobre o Mediterrâneo, tem vistas de tirar o fôlego. “Dos meus bebês, é o mais dramático”, disse à GQ Paddy McKillen, o genial hoteleiro irlandês que concebeu o projeto.

McKillen comanda o Maybourne Group, cujo investidor majoritário é a família real do Qatar, e é a chave do sucesso dos hotéis The Connaught e Claridge’s, em Londres, entre outros. Louco por arte, design e gastronomia, replicou na Riviera Francesa sua fórmula vencedora. Quartos e restaurantes foram desenhados por um time pluriestrelado de artistas e decoradores. Escalou o chef-celebridade Jean-Georges Vongerichten para dirigir o bar da vertiginosa piscina e um dos restaurantes. Mas seu trunfo maior é o Ceto, templo gastronômico instalado na cobertura do hotel que parece levitar sobre o mar. Concebido pelo premiadíssimo chef Mauro Colagreco, do famoso restaurante Mirazur, logo ao sul, o menu tem o mar como protagonista. Os pratos são uma sucessão de acertos, desconcertantes na ousada leitura de peixes e frutos do mar. Um translúcido véu de lardo de Colonnata traz suntuosidade a uma ostra grelhada, por exemplo — mas o hit é a barriga de atum com molho chinês, maturada na casa, envolta em alga. Que bomba de umâmi! Mal abriu, o Ceto já é a reserva mais disputada pelos entusiastas que caçam jantares dos sonhos. Com tamanha constelação de novidades, a França se coloca na dianteira desta tão esperada retomada da gastronomia.

CARTA DO DIRETOR

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2021-11-10T08:00:00.0000000Z

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