GQ Brasil

UMA TARDEZINHA COM O CEO

TEXTO EDUARDO F. FILHO | FOTOS PEDRITA JUNCKES | EDIÇÃO DE MODA GABRIEL FERIANI | STYLING THIAGO BIAGI

COM MAIS DE 1,3 BILHÃO DE STREAMS NO SPOTIFY, THIAGUINHO ALIA POPULARIDADE A UMA IMAGEM SEM ARRANHÕES E SE TORNOU — GAROTO-PROPAGANDA DE MARCA DE TÊNIS A CORRETORA DE INVESTIMENTOS. NESTE ANO, DEU SEU MAIOR PASSO EXECUTIVO AO ASSUMIR A LIDERANÇA DE SEUS NEGÓCIOS E ROMPER COM UMA GRANDE GRAVADORA PARA PRODUZIR OS PRÓPRIOS ÁLBUNS

Acasa noturna Studio, em Presidente Prudente, no oeste paulista, parecia pequena se comparada ao tamanho da alegria e do nervosismo do tímido Thiago André Barbosa, de 17 anos, que se preparava para subir ao palco pela primeira vez. O estudante ia finalmente mostrar o seu som fora do porão da casa do amigo Gabriel Barriga, onde ocorriam os ensaios da banda Samba & Suor. Mas não seria daquela vez. “As despesas vão ser maiores do que os lucros”, eles ouviram do proprietário do local, que se recusou a abrir o estabelecimento por falta de público. Chateados, Thiago e os demais rapazes foram para uma lanchonete próxima dali e começaram a tocar de improviso em volta de uma mesa. Minutos depois, a casa ficou lotada, com pessoas em pé do lado de fora. Naquele dia, foi realizado o primeiro acordo profissional da carreira do cantor: ele se apresentaria lá todos os domingos por quatro horas e ganharia R$ 15 por show. “Dava para pagar o lanche”, relembra Thiaguinho, como ficou conhecido, um artista que quase 20 anos depois, em dezembro de 2019, lotou o estádio mais famoso do Brasil no show de encerramento do bem-sucedido projeto “Tardezinha”. “Venci preconceitos, obstáculos, distâncias, timidez e desconfiança. No Maracanã, eu me vi sentado no bar comendo o mesmo lanche e tive a completa certeza de que vale a pena sonhar.”

Ter 50 mil pessoas em um único show é apenas um dos números impressionantes do músico. Thiaguinho conta com mais de 23,6 milhões de seguidores no Instagram, Facebook e Twitter. Por mês, só no Spotify, são mais de 3,5 milhões de ouvintes, o que já gerou cerca de 1,3 bilhão de streams. No YouTube, há perto de 2,7 milhões de inscritos no canal oficial, que contabiliza mais de 1 bilhão de visualizações em vídeos. Além de cantor popular, Thiaguinho é um compositor dedicado. Com 293 letras de música cadastradas no Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad) — pouco mais do que Jorge Aragão, com uma carreira de 45 anos —, o músico ultrapassou a barreira do samba e do pagode. Suas canções são gravadas por nomes até do sertanejo, como é o caso de Michel Teló: a canção “Fugidinha”, a sexta mais tocada no país na última década, é de autoria de Thiaguinho, em parceria com o cantor Rodriguinho, ex-integrante do grupo Os Travessos. “Dou muito pitaco em meus projetos musicais. Tudo o que as pessoas escutam tem um pedacinho meu. Eu gosto muito de me envolver”, conta ele, sempre num tom discreto. Em 2021, ele decidiu dar uma virada na carreira e se consolidar no centro das decisões. “Administrativamente, senti que era a hora de estar mais perto. Tanto da minha editora quanto do escritório e da gravadora. É uma nova fase da vida.”

Um marco dessa nova etapa se deu em abril. Ele rompeu o contrato de anos com a Som Livre, responsável pelos seus principais álbuns, e criou a própria gravadora. Quatro meses depois, encerrou a parceria com o amigo de longa data Bruno Azevedo, assumindo totalmente o comando de seu escritório, Paz & Bem, que administra os negócios do cantor desde 2016 e agora passa também a gerir o que a gravadora fazia. Hoje, Thiaguinho tem o controle absoluto sobre todas as áreas da carreira e principalmente sobre a sua agenda, sem contratos que o obriguem a entregar determinada quantidade de shows ou álbuns. “Faz parte do processo de amadurecimento”, explica. “Vejo o ‘Fama’ como um vestibular, o Exaltasamba como uma faculdade e a carreira-solo como estar pronto para o mercado de trabalho”, compara ele ao citar o reality show musical que o revelou, em 2002, e o grupo que integrou entre 2003 e 2012. “O Thiago é muito inteligente e tem tudo o que um homem de negócios precisa ter para crescer empreendendo. Criatividade em primeiro lugar, iniciativa e capacidade de execução”, diz o amigo Luciano Huck.

A primeira ação de Thiaguinho como CEO de fato da Paz & Bem foi realizar reuniões com todos os setores da companhia e se apresentar como seu próprio gestor e empresário, com o objetivo de atuar em todas as áreas possíveis. “Me dá mais tranquilidade saber que todas as decisões vão passar por mim. Certas ou erradas, as decisões são totalmente responsabilidade minha." Uma delas foi não demitir nenhum dos 28 funcionários durante a pandemia, período em que viu o número de shows ir a zero.

OCEO Thiaguinho anota tudo no bloco de notas no celular e troca as cifras de música pelos cifrões das planilhas. Observa as finanças da empresa, quer saber quanto cada funcionário ganha e se pode dar aumento aos mais dedicados. Como parte do aprendizado na nova função, faz questão de saber o porquê de todas as coisas que ocorrem dentro de sua companhia. “Eu gostaria muito de ter na vida a desenvoltura que tenho no palco.” Para gerir todos os braços da empresa, Thiago formou um conselho consultivo para ajudá-lo nas questões mais estratégicas. Nomeou a irmã, Ellen Barbosa, como diretora de marketing e o amigo Marcus Buaiz,

“ADMINISTRATIVAMENTE, SENTI QUE ERA A HORA DE ESTAR MAIS PERTO. TANTO DA MINHA EDITORA QUANTO DO ESCRITÓRIO E DA GRAVADORA. É UMA NOVA FASE DA VIDA”

empresário com vasta experiência no universo do entretenimento, para presidir o comitê. “A estrutura de poder da Paz & Bem se assemelha à das grandes empresas, e consiste em um conselho de pessoas complementares, qualificadas e muito boas em suas áreas, que se unem em um mesmo espaço”, explica Buaiz. “Ele tem essas duas facetas muito bem organizadas: a do Thiaguinho cantor e do Thiago André, presidente da Paz & Bem.”

Ao lado de Buaiz, Thiaguinho faz negócios além da música. Eles entraram como sócios da marca capixaba de gim DryCat e investiram R$ 5 milhões em uma nova destilaria no Espírito Santo, que tem capacidade para produzir cerca de 50 mil garrafas da bebida por mês. “A gente sempre conversou muito sobre a relação de bebidas com publicidade, sobre o fato de não só representar algo, mas ter influência naquele produto”, diz Thiago, que atua hoje como head de comunicação e marketing da marca. “Eu comecei a beber com 24 anos. Mas tomo muito cuidado, porque não combina beber com cantar, né?”

Apesar de ter feito carreira em cima do palco à noite, Thiaguinho é um homem diurno. Quando não tem shows, levanta no máximo às 8 horas para correr por cerca de uma hora. Na pandemia, começou a jogar tênis semanalmente — e já treina com os grandes. No mês passado, praticou por duas horas com o instrutor da campeã Serena Williams, Patrick Mouratoglou. Os dois se conheceram pelas redes sociais e combinaram de se encontrar quando o francês estivesse no Brasil. Além dos benefícios para a saúde, o esporte tem atraído outros negócios. “A Reebok acompanhou o momento em que o cantor passou a ter um novo estilo de vida, conciliando atividades físicas à sua rotina”, diz Fernanda Lissete, gerente de marketing da marca.

A empresa esportiva está junto de outras marcas que se aproximaram de Thiaguinho nos últimos anos — elas vão da cerveja Itaipava e das sandálias Havaianas à XP Investimentos, o que faz dele um nome sem paralelo. “Hoje, os números mostram quem são os artistas, e as empresas buscam associar seu nome a imagens que vão trazer benefícios para elas. É isso que eu enxergo no Thiaguinho: um grande nome e com uma imagem limpa”, afirma o cantor Péricles, seu antigo parceiro no Exaltasamba, um dos principais grupos de pagode de todos os tempos. O fato de ser um artista bastante popular, mas dedicado, sério e avesso a polêmicas, ajuda a fechar contratos. Nem mesmo o fim do casamento com a atriz

Fernanda Souza, em 2019, foi ruidoso — os dois mantêm uma relação de amizade. Mas a discrição com a vida privada não o impede de se posicionar sobre assuntos que realmente importam. “A militância dele está nas músicas, na forma com que se veste e nos esportes que pratica. Ele joga tênis — que é um esporte majoritariamente branco, de pessoas extremamente ricas, que precisam de clubes caríssimos para treinar — com o Rodriguinho; dois caras pretos e sambistas. Para nós é importantíssimo ocupar esses espaços”, afirma o ator Rafael Zulu, seu antigo parceiro no projeto “Tardezinha”.

As conquistas não livram Thiaguinho do preconceito racial. “Esses dias eu estava no mercado, e o segurança ficou me seguindo da hora que eu entrei até a hora em que falei com ele. Cheguei a perguntar por que ele estava atrás de mim. Ele não me respondeu nada. Passou um tempo e uma menina veio pedir para tirar foto comigo; ele veio junto para tirar também”, conta. “Nós, pretos e brancos, precisamos ter consciência de que existem muitas coisas que precisam ser reparadas no Brasil. Tenho conversas com muitos amigos empresários sobre movimentos antirracismo. O que você faz para ajudar? O que tem feito para diminuir o racismo? O que eu puder fazer, seja em relação à educação ou a investimento, vou fazer para ajudar”, diz ele, que tem um quadro no Instagram chamado “E aí, até quando?”, com histórias reais de pessoas que passaram por racismo.

Thiago André Barbosa é o orgulho dos pais, os professores João e Glória, para quem educação e religião sempre foram prioridade. “Quando eu tinha uns 12, 13 anos, o nosso contato com a igreja era muito forte. Íamos de segunda a segunda. Participávamos de fato da comunidade. Meu pai era coordenador da igreja, minha mãe organizava o canto. Eu e minha irmã estávamos envolvidos com tudo: catequese, grupo de jovens, crisma, rifa, churrasco para construir a capela de Nossa Senhora Aparecida em Ponta Porã (município de Mato Grosso do Sul, onde viveu até os 17 anos). Acabava a missa, a gente ficava para fechar os vidros, apagar as velas, as luzes. Meu avô era ministro da eucaristia, minhas avós, da legião de Maria. Tive vontade de fazer o seminário e de seguir essa profissão”, relembra Thiaguinho. Nas orações, um pedido era frequente: “Quero cantar igual o Péricles, ter o carisma do Belo e o respeito que as pessoas têm pelo Alexandre Pires”. Um líder inspirador também tem suas inspirações.

“ME DÁ MAIS TRANQUILIDADE SABER QUE

TODAS AS DECISÕES [DA CARREIRA] VÃO PASSAR POR MIM. CERTAS OU ERRADAS, AS DECISÕES

SÃO TOTALMENTE RESPONSABILIDADE MINHA”

CARTA DO DIRETOR

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2021-11-10T08:00:00.0000000Z

2021-11-10T08:00:00.0000000Z

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