GQ Brasil

UM OLHO NA TELA, O OUTRO NA RUA

FASHIONTECHS ALIAM A EXPANSÃO TECNOLÓGICA À INOVAÇÃO NO COMÉRCIO PRESENCIAL PARA ATENDER AO PERFIL DO CONSUMIDOR BRASILEIRO

TEXTO MARCELA GUIMARÃES ILUSTRAÇÃO GUILHERME HENRIQUE

Na edição de outubro da GQ Brasil, uma reportagem sobre os desfiles de alta-costura da Dolce&Gabbana contou como a marca se preparava para debutar no mundo dos NFTs (selo que atesta um bem digital único) com a primeira coleção de roupas e acessórios virtuais, de costumes a coroas, que podem ser usados para vestir avatares. Essa estreia aconteceu em um leilão logo depois da publicação da revista e foi um estouro de vendas: US$ 6 milhões, valor recorde para itens de moda no universo cripto.

Omundo da inovação na moda anda borbulhante, com lançamentos como os tênis por realidade aumentada da Gucci ou a coleção de skins (peças virtuais) da Balenciaga para ser usados dentro do jogo "Fortnite". Somando-se a explosão de e-commerce, o uso de big data para caçar tendências e melhorar a logística, os tecidos com matérias-primas alternativas e outros muitos fatores, pode parecer que os próximos Giorgio Armani terão necessariamente um perfil mais parecido com o de Elon Musk. Isso pode vir a ser verdade — mas também vale atentar para o fato de que os grandes inovadores nessa área no Brasil não trazem inovações apenas por meio da tecnologia.

Veja-se o exemplo da Amaro, que se tornou símbolo de e-commerce de moda. Ela nasceu na internet em 2012 com itens de marca própria, decidiu expandir seu leque de produtos e se define como uma retailtech, que opera um ecossistema de lifestyle feminino — vai de saias e itens de decoração às recentes linhas de sexual wellness (de óleos a vibradores). Já faz um tempo que a empresa lançou no mundo físico suas Guide Shops, que funcionam melhor como um mostruário do que aquilo que poderia ser visto na internet. Em 2021, porém, enquanto bastiões de comércio de rua (e de shoppings) potencializaram suas vendas on-line, a marca, que nasceu em formato digital, deu um passo no caminho contrário: abriu 20 lojas físicas, maiores e mais completas, de onde se pode sair com sacolas de fato. “Com a nossa aposta no modelo omnichannel, estamos criando formas de oferecer o melhor da experiência de compra do meio físico e do digital ao mesmo tempo”, diz o CEO Dominique Oliver. Mas isso não contradiz as tendências, em um tempo em que até cidades como Nova York sofrem com o chamado "efeito Amazon", de fechamento em série de lojas de rua? O suíço Oliver afirma que, apesar do aumento da penetração das compras no e-commerce, o brasileiro ainda gosta da experiência de consumo presencial — e ele vai ganhando, cada vez mais, um novo significado. "O varejo físico vai se converter em pontos de conveniência, totalmente integrados ao universo on-line, com a possibilidade de o cliente receber itens em casa, comprar pela rede e retirar nas lojas, ou pagar na hora e levar as sacolas", diz o empreendedor.

O monitoramento de dados sobre os desejos da clientela também não passa apenas por saltos tecnológicos. Em 2018, a C&A Brasil começou a se transformar em uma fashiontech. As informações de lojas de todo o país compõem uma rede poderosa de inteligência para lançar coleções-cápsula e até para distribuir as peças de acordo com os perfis de consumidores das diferentes regiões do país. “Todo gerente de loja tem um dashboard em que pode subir uma foto com as estampas que estão saindo mais. Se alguém da rede traz a imagem de uma celebridade usando uma peça nossa, também pode subir essa foto", explica Mariana Moraes, head de marketing da marca. "A gente cruza esses dados e a análise vai para todo o time, da criação ao marketing. Podemos ver quando tem uma tendência surgindo em muitas lojas e ganhando volume. Confirmamos tudo em reuniões semanais com grupos de clientes, que podem comprovar e aprofundar a trend. Conseguimos traduzir mais insights para o time de desenvolvimento e não só o dado em si."

O mercado das fashiontechs está aquecido, embora os investimentos em todo o mundo tenham caído no ano passado. Dados coletados pelo Distrito, a maior plataforma de transformação digital, mostram que os aportes, que estavam em alta ao longo dos anos, soluçaram no ano 1 da pandemia: diminuíram de US$ 3,4 bilhões, em 2019, para US$ 2 bilhões, em 2020. No entanto, em 2021, apenas nos quatro primeiros meses, já somavam US$ 1,1 bilhão.

A AMARO, SÍMBOLO DE E-COMMERCE DE MODA, ABRIU NESTE ANO 20 LOJAS FÍSICAS, QUE NÃO SÃO APENAS GUIDE SHOPS

Se a palavra disrupção está no vocabulário básico desse meio, a Zerezes se tornou um dos principais cases brasileiros. A empresa começou em 2012, no Rio de Janeiro, fazendo óculos de sol com madeira reaproveitada. Ter vazão nas prateleiras das óticas, porém, não era tarefa fácil. “Encontramos um mercado dominado por poucas empresas, com rede de distribuição confusa e margens altíssimas, que eram repassadas ao cliente”, diz o CEO Rodrigo Latini. Em 2016, a marca abriu a primeira loja própria, num shopping carioca. E tratou de se expandir para a venda digital. A Zerezes oferece ao cliente agendamento de conversa virtual com um vendedor e a possibilidade de receber quatro modelos de armação em casa, para experimentar por cinco dias, sem custo adicional. O novo modelo de negócios trou

xe resultados rápidos para a empresa, que cresceu 50% em 2020. A expectativa para 2021 é mais que dobrar o faturamento do ano anterior, somando R$ 25 milhões, com expansão de lojas nas principais capitais — duas delas em São Paulo. Esse foi um grande passo da marca no mundo real, feito em paralelo a um salto no virtual. Foi neste ano também que a Zerezes relançou sua marca como uma startup com venda direta ao consumidor pela internet, com armações exclusivas, design e lentes de grau diretamente ao consumidor e pela metade do preço do mercado. Inspirada em modelos internacionais como o da americana Warby Parker, a startup tem como meta morder 1% do mercado ótico brasileiro dentro de quatro anos. Para isso, lança mão de novidades como o (aí sim, tecnológico) Provador Virtual, ferramenta de realidade aumentada que funciona como um filtro de Instagram. O cliente responde a um rápido teste com suas preferências e depois experimenta modelos em seu rosto por meio do filtro, para checar se combinam com seu estilo e com as proporções de sua face (testamos: não leva mais que 30 segundos para esse espelho dos Jetsons funcionar plenamente). Quando os avanços virtuais e reais andam juntos, as inovações no varejo de moda têm conseguido chegar muito mais longe.

CARTA DO DIRETOR

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2021-11-10T08:00:00.0000000Z

2021-11-10T08:00:00.0000000Z

https://gqbrasil.pressreader.com/article/282248078799084

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