GQ Brasil

O PREFERIDO DOS BOLEIROS

O tatuador que viaja o mundo rabiscando estrelas do futebol

Texto Beatriz Zara | Fotos Renan Vitorino

Opassaporte do tatuador brasileiro Fil G exibe carimbos de alguns dos principais aeroportos do mundo. Em março deste ano, por exemplo, ele desembarcou em Madri para fazer as duas primeiras tatuagens do atacante brasileiro Rodrygo, de 21 anos, revelado pelo Santos e hoje uma das estrelas do Real Madrid. Ele tatuou uma passagem bíblica (Isaías 41:10) no bíceps direito e uma águia na parte frontal do torso. “Voa que o mundo é seu, Raio”, comemorou o tatuador, citando o apelido do jogador em uma publicação nas redes sociais.

Dois meses depois, em meados de maio, Fil G recebeu um novo convite para cruzar o Atlântico. Dessa vez, o destino final era Paris. Na Cidade Luz, o compromisso envolvia encontrar outro jogador revelado pelo Santos, figurinha certa na seleção de Tite para o Mundial no Catar, em novembro. Foi a terceira vez que o tatuador esteve com Neymar, a segunda na capital francesa. O jogador do PSG é o principal responsável por Fil G ser reconhecido atualmente como o “tatuador dos boleiros”. “Ele foi a porta de entrada. Não só no meio esportivo, mas outros clientes querem ser tatuados com aquele que rabiscou o Neymar”, diz.

Essa história começou há quase uma década. Em dezembro de 2014, Neymar estava de férias no Brasil e precisou ir ao shopping para resolver problemas com seu celular. Ao lado da loja de eletrônicos está o estúdio de tatuagem onde

Fil G trabalha, a Nautica Tatto. “Ele pegou um cartão e ficou interessado em fazer algo realista, que é a minha especialidade. Era uma bola de futebol, uma coroa e o próprio Neymar comemorando um gol ao fundo”, explica o tatuador, que ainda consegue se lembrar da surpresa ao receber a ligação do jogador. “Perguntei quem estava falando e responderam 'Neymar'. Achei que fosse brincadeira. Fiquei em choque.”

Desde 2014, Fil G já tatuou Neymar algumas vezes. Em 2018, ele foi a Paris pela primeira vez, a convite do craque brasileiro — foi mais um momento em que ele demorou a acreditar que fosse realidade. As passagens foram pagas pelo atleta, que ofereceu sua mansão como hospedagem. Mas Fil recusou. “Não gosto de ficar na casa do cliente, porque perco a privacidade. No caso do Neymar, minha hospedagem é sempre em um hotel a cinco minutos de distância de sua residência. Não conhecia Paris, e ter ido lá foi uma experiência única”, comemora o profissional.

Para além do prazer de visitar a cidade, o tatuador teve uma missão complicada. “O Neymar tinha dez minutos para cobrir uma pequena tatuagem com duas iniciais na barriga. Havia

um compromisso, mas eu encarei o desafio. Fiz uma rosa em 8 minutos, com Neymar deitado em uma mesa de poker”, relembra. O terceiro encontro, em maio deste ano, outra vez em Paris, foi para fechar as costas do jogador do PSG: ali rabiscou personagens como Pantera Negra e um Power Ranger. “Ele é o cara mais tranquilo que eu já tatuei na carreira. Não esboça reação”, comenta Fil G, que tem uma meta acerca do atacante. “Espero ter a oportunidade de fazer a tatuagem do hexa após a Copa.”

Enquanto Neymar não se queixa de dor — “ele fica no celular” —, outros jogadores costumam ser mais “reclamões”. Um deles é Gabriel Jesus, do Manchester City. Em agosto do ano passado, Fil tatuou o peito do atacante com versos da música “A Vida É Desafio”, dos Racionais, e os personagens Chaves e Chapolin na parte frontal da coxa esquerda. “Ele fazia muita careta, sobretudo quando desenhei o peito. De maneira geral, os jogadores são ruins para aguentar a dor”, complementa Fil G.

Outra característica que o profissional encontra entre os boleiros é o fato de que muitos costumam usar as sessões para conversar sobre assuntos que não envolvem o futebol. "Eles falam para caramba e contam de tudo. Um que me surpreendeu foi o Cássio, goleiro do Corinthians. Ele chegou quieto e não estava dialogando muito. Mas, no meio da sessão, se soltou e começou a contar histórias da própria vida. No final, parecíamos amigos.” Ele ressalta que os

"NEYMAR É O CARA MAIS TRANQUILO QUE JÁ TATUEI NA CARREIRA. NÃO ESBOÇA REAÇÃO NENHUMA."

atletas costumam fazer desenhos maiores, algo que leva mais tempo. Assim, criar uma certa intimidade pode deixar a sessão mais agradável. “Eles falam do time, da vida, dos jogos. Às vezes pergunto algumas coisas, e a maioria deles gosta de trocar ideia. Claro que já tatuei jogador chato, que não fala quase nada, mas boa parte deles retribui a atenção”, explica.

Fil G tem 31 anos e leva na identidade o nome Filipe Roberto Genesi. Nascido em São Paulo, mudou-se para a Praia Grande, no litoral sul paulista, aos 11 anos. Na adolescência, ganhou um kit de tatuagem dos padrinhos e, como já desenhava, interessou-se pelo presente. Ele revela que nunca estudou e aprendeu a tatuar por conta própria. A mãe topou ser a primeira a pôr a pele à prova. “Fiz uma rosa e não ficou tão ruim. Decidi apostar”, relembra.

A partir daí, Fil G passou a utilizar a casa dos pais como estúdio. O pontapé inicial na carreira foi cheio de aprendizados, com a ajuda dos amigos e algumas situações que destoam das que vive com sua clientela atual, repleta de jogadores de futebol e de algumas regalias. “Um dia, tatuei um rapaz e ele esqueceu uma arma na minha casa. Ele voltou para buscar, e eu percebi que precisava ter outro ambiente para trabalhar, com mais estrutura.”

Em 2009, um ano depois de começar a carreira, Fil G foi convidado para trabalhar na Nautica Tattoo, em São Paulo. Seus desenhos podem custar de R$ 7 mil a R$ 22 mil, dependendo do tamanho e da região do corpo. Ele faz uma média de 45 a 50 sessões por mês.

Após tantos boleiros e jogadores renomados, Fil G tem uma pendência na lista. "Se eu tatuar o Messi, já posso me aposentar.”

EM MAIO

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2022-06-10T07:00:00.0000000Z

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