GQ Brasil

O SUPERCONECTOR

A trajetória de André Maciel até o fundo Volpe Capital

TEXTO BRUNO CAPELAS | FOTOS CAIO GUATELLI

APÓS LIDERAR O SOFTBANK NO BRASIL, ANDRÉ MACIEL INICIA NOVA MARATONA EM SEU PRÓPRIO FUNDO DE VENTURE CAPITAL, VALENDO-SE DA REDE DE EMPREENDEDORES EM DIFERENTES ESTÁGIOS — E CONTANDO COM OS CONSELHOS DE GENTE COMO JORGE PAULO LEMANN E MARCELO CLAURE NO WHATSAPP

Os corredores de maratona sabem que a prova de Nova York é uma das mais difíceis, devido à exigente sequência de subidas e descidas pelas pontes que ligam os cinco bairros da cidade. Para atletas profissionais, é um desafio. Imagine-se para um amador que nunca tenha feito um percurso tão longo antes. “Só para cruzar a Queensboro Bridge, que liga o Queens a Manhattan, você tem que subir correndo o equivalente a um prédio de dez andares. Foi a parte mais difícil para mim”, conta André Maciel sobre a prova na qual correu, em 2019.

Após treinar alguns meses sozinho, apenas com a ajuda de uma planilha de preparação feita por um profissional, ele completou o circuito em 3 horas, 37 minutos e 53 segundos — quase uma hora abaixo da média do dia, de 4 horas e 35 minutos. Embora fosse sua estreia em corridas de fundo, Maciel estava longe de ser um novato em esforços de longo prazo, sujeitos a oscilações: essa é também a sua história no mercado financeiro. Na época em que correu a prova, o paulistano de 40 anos era um dos líderes na América Latina do SoftBank, grupo japonês cujos aportes contribuíram para levar empresas como Gympass e Loggi a se tornar unicórnios (ou seja, startups avaliadas a partir de US$ 1 bilhão). Entre 2019 e 2020, Maciel ajudou o SoftBank a investir US$ 2,3 bilhões na região.

Se hoje já deixou para trás os tênis de corrida após completar sua meta, na vida profissional ele percorre os primeiros quilômetros de uma nova jornada. Desde o início de 2021, Maciel se dedica a pôr de pé a Volpe Capital, um fundo de venture capital (VC, ou ainda capital de risco, em bom português) que, apesar da existência recente, já investe em empresas destacadas, como CRM&Bônus, SaltPay, Caju e UOL Edtech.

A seu lado estão dois sócios. Um é o americano Gregory Reider, ex-diretor do fundo de private equity Warburg Pincus, responsável por cheques para empresas como Petz e Sequoia. “Todo mundo fala que o Greg é uma das pessoas mais inteligentes que já conheceu — e acho que isso diz muito sobre a capacidade do André de ter pessoas boas ao seu redor”, diz Eduardo del Giglio, CEO e cofundador da Caju, que facilita a vida do RH com benefícios corporativos flexíveis. A outra é a advogada Milena Oliveira, que aconselhava as transações feitas por Maciel no SoftBank pelo escritório Pinheiro Neto. “Quando recebi o convite, eu tinha o plano de ser mãe em curto prazo, e ele não viu naquilo um empecilho. Mais que isso: disse que sentia muito que eu precisasse ter aquela conversa”, diz Milena, 34, na fase final de gestação.

No Brasil, a maioria dos fundos de venture capital está acostumada a investir em empresas de um ou dois estágios específicos de desenvolvimento. Já a Volpe (“raposa”, em latim) vê oportunidades nas startups em momentos variados. Ou, como se diz no jargão, vai do early ao late stage. Em vez de focar uma fase específica, a mira da gestora está em negócios que tenham fundadores ambiciosos, números mais saudáveis e crescimento sustentável.

Nos últimos anos, muitas companhias aprenderam que

sucesso era sinônimo de crescer a qualquer custo, queimando dinheiro e depois buscando um caminho para a lucratividade, o chamado blitzscaling. “Na América Latina, é preciso tomar cuidado com isso. Se eu oferecer um sorvete de graça ao consumidor, não necessariamente crio nele um hábito com a minha marca”, diz Maciel. Em momentos de crise como o atual, em que a alta dos juros nos EUA provoca uma escassez de capital disposto a correr o risco de aportar em startups, é preciso ser mais caxias com o caixa, defende o investidor. “Nossa tese principal é que, em dez anos, as empresas de tecnologia vão ser ainda mais relevantes. Mas, para isso acontecer, essas empresas precisam existir ao longo desses dez anos.”

Ao todo, Maciel e seus sócios captaram US$ 100 milhões no mercado, incluindo um bocado de capital próprio e a parceria com dois nomes de peso: o BTG Pactual e o próprio SoftBank. “Construir um business usando o dinheiro das pessoas que gostam de você é algo que dá medo; acordo e durmo pensando nisso. Ao mesmo tempo, quando algo dá certo, é muito reconfortante”, diz o investidor.

Para mostrar o compromisso com o dinheiro alheio, Maciel lançou mão de uma prática incomum. Enquanto a maioria dos fundos de venture capital cobra de seus próprios investidores um porcentual sobre qualquer retorno obtido, a comissão (ou carry) da Volpe como intermediária só é cobrada depois que todo o capital aplicado for integralmente retornado. “A única festa que você pode ter nesse mercado é quando o dinheiro volta para o bolso."

CAMINHO TRAÇADO

José, o pai de Maciel, trabalhou no Chase e tem hoje uma indústria de transformadores elétricos. A mãe, Regina, lidera iniciativas no terceiro setor. Segundo os amigos, o rapaz nascido em São Paulo sempre foi estudioso e dedicado. “Eu era um nerd de biblioteca e um dos últimos a ser escolhido no futebol.” Desde o colegial, ele soube que queria seguir os passos do pai e trabalhar no banco americano JP Morgan, dono do Chase. Formado em administração pela Fundação Getulio Vargas, chegou lá em 2002, quando a bolha ponto-com havia estourado. “Eu entrei, e meu chefe jogou na minha mesa um portfólio com 80 empresas (em crise). Ninguém queria saber delas, mas eu comecei a estudar. Dessas 80, 70 devem ter quebrado e nelas tinha gente queimando muito capital”, lembra. “Mas quem não queimava tanto capital conseguiu se segurar, como o Mercado Livre.”

Mais tarde, Maciel atuou no banco em Nova York, onde viveu a crise de 2008. Ao longo dos anos, passou parte da rotina dentro de aviões e salas de embarque, viajando três ou quatro vezes por mês pelo planeta — em algumas temporadas, rodou todos os programas de milhagem de empresas como American Airlines, United, Air France e Latam. Sempre leva roupa e tênis para academia. Pratica também esportes como golfe, ciclismo e kitesurf.

Deste último, inclusive, saiu o nome do primeiro fundo que montou, em 2019. Criado ao lado do amigo e colega de banco Paulo Passoni, o 30 Knots (ou 30 nós, a velocidade do vento em que só velejadores experientes dão conta) queria dar vazão à vontade de Maciel de se dedicar mais ao mundo da tecnologia. “Era o setor com os founders mais divertidos e as empresas mais dinâmicas."

Outro colega de banco o conectou com Marcelo Claure, bolívio-americano que liderava investimentos de startups para o SoftBank. Os dois conseguiram uma reunião com Claure para tentar levantar dinheiro para o 30 Knots. Saíram de lá com uma proposta inversa: vender o fundo ao conglomerado e começar a operação do SoftBank Latin America Fund, com US$ 5 bilhões para aportes em empresas da região. “Começamos na sala da minha casa”, lembra. O grupo japonês chacoalhou a realidade do mercado de investimentos em startups no Brasil, distribuindo cheques para as empresas mais quentes da época, como Creditas, QuintoAndar, Banco Inter e Loggi, além de jogar holofotes sobre companhias ainda abaixo do radar, como MadeiraMadeira, Descomplica e Buser.

Ao longo do tempo, porém, Maciel percebeu que sua visão de investimentos era diferente daquela que havia na cabeça de Masayoshi Son, o mítico fundador do SoftBank. “Eles tinham uma ideia de dar muito capital às empresas, subsidiando o negócio até que ele chegasse a uma posição dominante. Isso gerou dinâmicas intransponíveis na região: houve uma época em que as startups tinham 3 mil vagas de tecnologia abertas, mas não havia essas pessoas. As startups que tinham um mesmo VC investidor acabavam roubando profissionais umas das outras, e o dinheiro era jogado fora.”

PARCEIROS DE CORRIDA

O SoftBank é um dos investidores-âncora da Volpe, e Maciel manteve a proximidade com várias das empresas nas quais apostou. No Banco Inter, por exemplo, o CEO João Vitor Menin fez questão de mantê-lo como conselheiro independente. “Ele sempre participa muito da empresa, dentro e fora das reuniões, e é uma pessoa autêntica: se ele não concorda, fala”, diz Menin.

Maciel ainda apresenta empresas à antiga casa, como a CRM&Bônus, na qual o SoftBank liderou uma rodada de

"UM DOS MOTIVOS PELOS QUAIS O ESCOLHEMOS FOI PELAS CONEXÕES QUE PODERIA FAZER. ELE É UM SUPERCONECTOR."

EDUARDO DEL GLIGIO, CEO DA CAJU

R$ 280 milhões, acompanhada pela Volpe. “Nos conhecemos há um ano, mas parece que somos amigos de infância. Ele curte muito o cotidiano de uma empresa”, diz o cofundador Alexandre Zolko.

Isso para não falar na amizade com Marcelo Claure, que também já deixou o SoftBank e hoje se prepara para lançar seu próprio veículo de investimentos. O boliviano, que correu a maratona de Nova York ao lado de Maciel, foi convidado de honra do primeiro evento anual da Volpe, em maio. A seu lado, Jorge Paulo Lemann. Resumo da conversa: é hora de pregar um crescimento sustentável.

No dia a dia, fala frequentemente com André Esteves (BTG Pactual), Florian Bartunek (Constellation), André Jakurski (JGP) e Eugênio Mattar (Localiza). A agenda de contatos é um diferencial no mercado, afirmam os “investidos”. “Um dos motivos pelos quais o escolhemos foi pelas conexões que ele poderia fazer. Ele é um superconector”, elogia Eduardo del Giglio, da Caju.

FARTURA EM TEMPOS DE ESCASSEZ

Durante o isolamento pela pandemia, Maciel fez aulas de piano (“sempre gostei, mas é difícil aprender depois de velho”) e de italiano e aproveitou o tempo que deixou de gastar em salas de embarque com a agora esposa, a carioca Luiza Lessa, 34, criadora da marca de skincare SuaPL (lê-se “sua pele”). “A gente diz que é apaixonado pelos empreendedores, então foi natural que eu me casasse com uma”, brinca. “Em 2021, eu comecei a Volpe, me casei e toquei a reforma de um apartamento. O mais difícil foi, de longe, a reforma.”

Por falar em "difícil", o dinheiro disponível para startups no mercado, que antes jorrava, secou em meio à guerra na Ucrânia, ao petróleo caro e ao aumento das taxas de juros nos EUA para combater a onda de inflação global. As empresas iniciantes ainda têm bastante capital disponível, vindo de fundos especializados nesses estágios, mas o mesmo não vale para quem já capta rodadas de centenas de milhões. Em tempos de crise, é natural que haja menor apetite por risco e capital concentrado em investimentos mais líquidos. Não à toa, várias startups brasileiras em estágio avançado iniciaram demissões em massa.

É um período que vai separar os bons e os maus negócios, da mesma forma que, na Maratona de Nova York, a Queensboro Bridge faz muitos corredores desistir da prova. Para ultrapassar essa fase, é preciso um bocado de perícia, sorte e paciência. Neste ano, a Volpe fez apenas um cheque ainda não revelado (em 2021, foram sete). “Com pouco capital, são os investidores que escolhem as empresas. Temos dinheiro na mão; só investimos 20% do que captamos, e os preços estão atraentes. Nosso barco está cheio de gasolina enquanto outros estão saindo do mar. É o melhor momento do mercado para nós.”

EM MAIO

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2022-06-10T07:00:00.0000000Z

2022-06-10T07:00:00.0000000Z

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