GQ Brasil

DE POFEXÔ A SENADOR?

A pré-candidatura de Vanderlei Luxemburgo

TEXTO ALESSANDRA MEDINA FOTO TIAGO ISHIBASHI

Ofenômeno acontece em toda eleição. Diante dos escândalos de corrupção e da altíssima rejeição ao Congresso e ao governo, nomes de fora da política tradicional surgem para disputar o voto do eleitor, muitas vezes sob os mais diversos tipos de desconfiança — estariam em busca de recursos e de notoriedade fácil ou têm mesmo boas intenções? No Tocantins, uma figura bastante conhecida dos fãs de futebol está na corrida pela única cadeira do Senado: Vanderlei Luxemburgo. Ele resolveu investir na política ao sair de seu último clube, o Cruzeiro, em dezembro do ano passado. Em março, filiou-se ao heterogêneo Partido Socialista Brasi leiro, o mesmo de Geraldo Alckmin, pré-candidato a vicepresidente na chapa de Lula (PT), do governador do Maranhão, Flávio Dino, e do deputado federal Marcelo Freixo, pré-candidato ao governo do Rio. Luxa vai brigar pelo cargo ao lado de pessoas experientes, como a deputada federal Professora Dorinha (União Brasil) e a atual senadora Kátia Abreu (PP), ministra de Agricultura, Pecuária e Abastecimento durante o segundo governo da ex-presidente Dilma Rousseff.

As primeiras pesquisas de opinião apontam Dorinha em primeiro lugar, com 26% das intenções de voto. Em seguida vem Kátia Abreu, com 15%, empatada tecnicamente com Luxemburgo, que tem 13%. Ele não se intimida. “Evito falar o nome dos adversários porque não quero encarar a eleição como uma disputa contra alguém. Chega dessa política raivosa. O meu objetivo é ganhar o campeonato, que é chegar ao Senado. Escreve aí que é como um Flamengo e Vasco ou um Palmeiras e Corinthians. Eu não entrei na política para ganhar dinheiro. Quero ajudar o Tocantins, que é um lugar com muitas oportunidades de negócio para empresários brasileiros e estrangeiros.” Ele complementa: “Fico imaginando os chineses construindo ao redor do lago de Palmas. Que maravilha! São Paulo não tem isso, já está pronto. E o Rio tem muita bala. Aqui é o paraíso”.

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) só libera a campanha eleitoral em meados de agosto, mas Vanderlei não está de braços cruzados. O pré-candidato a senador está divulgando os projetos “Peladão do Luxa”, um campeonato de futebol amador, e “Rotas Tocantins”, um programa exibido em seu canal no YouTube no qual viaja pelo estado para contar histórias inspiradoras e mostrar belezas naturais, pontos turísticos pouco explorados,

a culinária e a cultura do estado. Em paralelo, tem feito media training para aprender a se apresentar como um político e a lidar com jornalistas. “Nunca tive problemas com a imprensa nem fugi de pergunta alguma. Mas recebi uma dica valiosa: quando vem uma pergunta cabulosa, você começa com uma resposta mais lenta para ter tempo para raciocinar; você pode até fazer uma outra pergunta para se dar mais tempo.”

Vanderlei filiou-se ao PSB a convite do presidente estadual do partido e ex-prefeito de Palmas, o empresário Carlos Amastha. “Ele tinha propostas de outros partidos, como o Pros e o PT, já que é muito amigo do Lula. Acabou optando pelo nosso grupo porque se identificou mais com as nossas ideias. Ele tem tudo o que procuramos num candidato: é empreendedor, tem visão de mundo, é apaixonado pelo Tocantins e encara a política como uma missão de vida, não como uma profissão para ganhar dinheiro”, explica Amastha, que é pré-candidato a deputado federal nas eleições deste ano. Para quem estranha a escolha pelo domicílio eleitoral, Luxa explica que não é um forasteiro. Ele conhece o estado há mais de 18 anos, desde quando foi convidado pelo cantor sertanejo Leonardo para pescar. Gostou tanto do lugar que, além de comprar imóveis na região, adquiriu a TV Jovem, afiliada da TV Record, e pretende levar sua distribuidora de sorvetes para lá. No portfólio de negócios do ex-técnico constam ainda um condomínio, cujo nome é Residencial Luxemburgo, e a cachaçaria Brejo dos Bois, ambos em Alagoas.

Fluminense de Nova Iguaçu, município do Rio, Luxemburgo cresceu numa família pobre. Filho de um gráfico e de uma dona de casa, não chegou a passar fome na infância, mas vivia com o básico. Para ajudar nas despesas, trabalhou engraxando sapatos e vendendo sorvetes. Aos 14 anos, entrou para a escolinha de futebol do Botafogo, e sua vida mudou. Para o bem e para o mal. “Minha mãe disse que eu deveria dar o salário para ajudar em casa, e eu disse que não concordava, porque o dinheiro era para pagar um lanche, as passagens, para jogar futebol. Ela insistiu, e eu acabei saindo de casa. Dormia embaixo das arquibancadas de Severiano Ribeiro. Mais tarde, já com a carreira consolidada, comprei casa para a família toda. Dar dinheiro naquela época era dividir miséria. Eu não chegaria aonde cheguei”, conta ele. Se como jogador não teve uma carreira brilhante, como treinador deixou seu nome na história. Conquistou cinco títulos do Campeonato Brasileiro, uma Série B, uma Copa do Brasil, uma Libertadores e uma Copa América. O “pofexô” — uma brincadeira com a maneira com que ele pronuncia "professor", apelido dos treinadores — foi pioneiro na implantação de uma estrutura de preparação física e técnica para o futebol. “Eu sou um visionário! Levei fisiologista, fisioterapeuta, preparador físico, nutricionista, psicólogo, um cara para fazer análise de desempenho… Hoje, todo clube tem uma comissão técnica assim, mas, na época,

levei muita porrada. Chamavam de ‘a patota do Luxa’.”

Aos 70 anos, Vanderlei diz que nunca se sentiu tão bem na vida. “Me sinto como se tivesse 50. Ainda está apontando para o céu. Não está apontando para os sapatos, não”, ele ri. Do tipo que fala o que pensa, diz que já sofreu muito por bancar suas opiniões. Como técnico de futebol, ganhou a fama de xerife por controlar a presença de mulheres e de bebidas alcoólicas nas concentrações. Em 2005, época em que comandou o Real Madrid, o pofexô vetou a cervejinha antes do jantar e o vinho durante as refeições, apesar dos conselhos vindos de Ronaldo Fenômeno e de Roberto Carlos para que não mexesse no hábito. Quando a decisão chegou à diretoria, pegou mal, porque o costume fazia parte do ambiente. Luxemburgo acabou dispensado seis meses depois de sua contratação, quando havia substituído Ronaldo Fenômeno numa partida contra o Getafe.

O estilo trator podia ser percebido também fora de campo. Luxemburgo colecionou desafetos durante a carreira. Pelo menos com um, Romário, ele fez as pazes, garante. O craque e o técnico se desentenderam em 1995, quando estavam no Flamengo. Na briga, Luxemburgo levou a pior e foi embora da Gávea. “Eu divergia do Romário como técnico. Hoje, temos muito respeito um pelo outro. A gente não pode carregar um inimigo pela vida toda”, pondera. Com Marcelinho Carioca, ídolo do Corinthians, a história é outra. Em uma entrevista, o jogador contou que a desavença começou depois de uma partida na Bahia, quando ele foi escolhido por uma mulher em quem o técnico estava de olho. Em 2007, os dois protagonizaram um barraco num programa de TV ao vivo, com direito a troca de ofensas. O craque recorreu à Justiça, e Luxa foi obrigado a pagar uma indenização de mais de 300 mil reais. Eles nunca fizeram as pazes.

Outra polêmica que consta em sua biografia é a da acusação de assédio sexual feita por uma mulher. Em maio de 1996, o técnico hospedou-se no Hotel Vila Rica, em Campinas, onde o seu time, Palmeiras, enfrentaria o Rio Branco. Lá ele requisitou os serviços de manicure. A profissional alegou que o técnico a recebeu só de toalha, algo que ele nega. Como, à época, o crime de assédio sexual não constava no Código Penal, Vanderlei foi processado por atentado ao pudor. A ação foi arquivada por falta de provas.

Se eleito, Luxemburgo já tem algumas ideias para o mandato. Ele quer criar um sindicato dos treinadores, nos moldes do que encontrou na Espanha. A medida, diz, serviria para organizar (até tributariamente) a presença de técnicos no país, inclusive os estrangeiros. “A gente não é contra a vinda deles, mas eles precisam cumprir algumas obrigações”, avalia. "Todo mundo teria que pagar esse porcentual. Os daqui e os de fora”. O agora pré-candidato, no entanto, esquece a reforma trabalhista do ex-presidente Michel Temer (MDB), sancionada em julho de 2017, que tornou facultativa a contribuição sindical, minando a principal fonte de renda das entidades que defendem os trabalhadores. “Ah, mudou a lei? Vamos rever isso aí”, afirmou Luxa. Ele também quer obrigar a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) a garantir que os jogadores em começo de carreira tenham aulas de língua estrangeira. Fã assumido de pôquer, ele defende a legalização dos jogos de azar. “O jogo já é legalizado no Brasil. Você é chamado de contraventor, mas faz a mesma coisa que a Caixa Econômica Federal. Alguém foi

“ELE TINHA PROPOSTA DO PROS E DO PT; É MUITO AMIGO DO LULA. ACABOU OPTANDO PELO NOSSO GRUPO.”

CARLOS AMASTHA, PRESIDENTE DO PSB NO TOCANTINS

preso lá?”, questionou Luxa. Em nota, o banco estatal afirmou que a Loteria Federal “é uma modalidade permitida pela Constituição e constitui importante instrumento de promoção do bem social em âmbito nacional, pois direciona quase metade de toda a sua arrecadação a programas e projetos sociais de amplo alcance.”

Para o Tocantins, além de atrair investimentos, Luxa pretende tirar do papel a construção de um centro de treinamento em Palmas, prometido pela CBF como um dos legados da Copa do Mundo de 2014. “O terreno está abandonado, com capim do meu tamanho.” A entidade não quis comentar as afirmações, mas, em março deste ano, recebeu representantes da Federação Tocantinense de Futebol para uma discussão sobre as obras no espaço.

Questionado pela GQ se saberia citar três times do estado que escolheu para representar no Congresso, o treinador precisou recorrer à nova comissão técnica. “Você está querendo me pegar para dizer que eu não conheço o Tocantins, né? Interposto, Palmas e… e… e… (um assessor assopra) tocantinense. Não adianta, você não vai conseguir!”

EM MAIO

pt-br

2022-06-10T07:00:00.0000000Z

2022-06-10T07:00:00.0000000Z

https://gqbrasil.pressreader.com/article/282007561044247

Infoglobo Conumicacao e Participacoes S.A.