GQ Brasil

QUENTE, FERVENDO

Os lançamentos gastronômicos de Miami

TEXTO ALEXANDRA FORBES

Aos 15 anos, Mario Carbone já dava expediente depois da escola e aos fins de semana na cozinha do Crab Shack, um restaurante barato no Queens, pedaço operário nova-iorquino onde cresceu. Parte do que aprendeu foi ao som de Pavarotti, enquanto ajudava o avô italiano no preparo de pratos caseiros, versões americanizadas das receitas tradicionais da pátria que haviam deixado em busca de uma vida melhor em Nova York. A infância o levou a escolher a profissão de chef. Seus pais temiam a decisão, mas Mario foi irredutível, e decidiu estudar no CIA — o Instituto de Culinária da América.

“Logo no primeiro dia, conheci aquele que viria a ser o meu parceiro de vida profissional”, diz. Rich Torrisi, outro neto de imigrantes italianos do Queens que começou ainda mais cedo — 12 anos! — a trabalhar em cozinhas para engordar a renda famiiar, virou seu melhor amigo. Em comum, além dos avós que inculcaram neles a paixão pela cultura ítalo-americana, especialmente a culinária, os ambiciosos e incansáveis Rich e Mario tinham sede de grana e sucesso. Após se formarem, ainda ralariam muito em cozinhas onde só os fortes sobrevivem. Depois de passagens pelos restaurantes Babbo, Lupa e Del Posto, do então adorado chef Mario Batali (que caiu em desgraça pela condenação por abuso sexual), Mario foi parar no Café Boulud, de outro peso-pesado, o francês radicado em Nova York Daniel Boulud. “Trabalhei lá por um ano com o Rich, e decidimos morar juntos, em um minúsculo estúdio que eu tinha no Village — uma cama embaixo e outra no mezanino. Nossa amizade se intensificou mais ainda.”

Em plena crise financeira de 2008, sem um banco que lhes concedesse crédito, juntaram as economias dos parentes e fizeram a maior aposta de sua vida. Abriram, em 2009, o Torrisi, uma diminuta déli em Little Italy. Serviam sanduíches de dia e um único menu à noite (45 dólares, 3 serviços), rabiscado numa lousa, pois não tinham grana nem espaço para comprar muitos ingredientes. A coisa ia mal, até que o chef David Chang os recomendou à crítica gastronômica Kate Krader. Ela publicou um artigo rasgando elogios, o que os colocou na rota do sucesso.

Pouco depois, um de seus primeiros habitués, Jeff Zalaznik (ex-banco JP Morgan), quis se associar à dupla. Batizaram o negócio de Major Food Group e abriram, tempos depois, o diminuto Parm logo ao lado, além daquele que viria a ser o maior hit de todos: o Carbone. “Meu objetivo era chegar ao topo; queria ser reconhecido como um dos grandes chefs de Nova York, diz Mario.”

Se a aceitação do público foi imediata e o sucesso, arrebatador, a sorte do trio foi selada em 2013,

quando o temido Pete Wells coroou sua elogiosa crítica ao Carbone com três estrelas (de um máximo de quatro) no jornal "The New York Times".

A partir dali, a bola de neve pegou embalo, e o trio engatou uma expansão a passos largos trazendo novos conceitos, como o ZZ’s Clam Bar, focado em mariscos; o francês Dirty French; e o casual Sadelle’s, especializado em bagels com salmão defumado e em pratos leves para o almoço.

A seguir, a success story atingiu velocidade de cruzeiro. Investidores graúdos (JDS Development) entraram para a sociedade e, com a nova injeção de capital, ela assumiu o controle do espaço onde funcionara, entre 1959 e 2016, o Four Seasons — o mais mítico restaurante na história dos Estados Unidos, saído da prancheta dos mesmos arquitetos que desenharam o edifício Seagram, que o abrigava: Mies van der Rohe e Phillip Johnson.

Apaixonados pela Nova York dos anos 50, tiveram o cuidado de reformar e modernizar o local sem descaracterizá-lo, prestando, assim, homenagem ao elegantíssimo restaurante que se tornou sinônimo do power lunch e o endereço favorito dos poderosos, de Anna Wintour a Jackie Kennedy. Dividiram o espaço em dois: The Grill (steakhouse de luxo) e The Pool (focado em frutos do mar). Mais um hit.

Até que a pandemia bateu à porta. Confinamento, restaurantes fechados. Na realidade, paradoxalmente, a pandemia transformou o que era um bimotor que voava bem em um jato supersônico. Os sócios inauguraram dez restaurantes em 2021, cinco dos quais em Miami e seus arredores. “Além de bons de negócio, souberam capitalizar o êxodo de milhares de americanos da Califórnia e de Nova York para Miami”, diz o chef-celebridade Jean-Georges Vongerichten. “As pessoas, cansadas de ficar trancadas durante o isolamento, queriam se mudar para onde houvesse sol, espaços abertos, restaurantes servindo comida ao ar livre e menos restrições”, explica.

Jeff e Mario passaram a frequentar Miami assiduamente, e seus novos sócios-investidores mudaram-se de

O NOVO DÁ MEDO, MAS TAMBÉM É O QUE NOS DÁ GÁS.

MARIO CARBONE, SÓCIO DO MAJOR FOOD GROUP

Nova York para lá, como também o fizeram dezenas de milionários dos setores de tecnologia, cripto e artes plásticas. O Carbone de Miami, inaugurado em janeiro de 2021, tornou-se o endereço mais badalado da cidade. Como o original, tem um quê de set de cinema, com poltronas de veludo, cortinas pesadas e garçons bonitões, de terno e gravata-borboleta oversized criados pelo estilista Zac Posen. O decorador Ken Fulk resume o conceito: “Imaginei Maria Callas e Frank Sinatra acordando numa suíte à beira do Grande Canal de Veneza, depois de uma noite de paixão”.

Neste ano, atacaram Dallas, no Texas (um Sadelle’s, um Carbone e um Carbone Vino, com rótulos que valem centenas ou milhares de dólares). E abriram mais três restaurantes na Flórida, com interiores assinados por Fulk: um Sadelle’s, em Coconut Grove; o italiano Principessa, em Boca Raton; e a steakhouse Dirty French, cujos estofados têm estampas de bicho que remetem à selva.

O último golpe de mestre do Major Food Group foi o pop-up Carbone Beach, instalado em um trecho de praia secreto durante as quatro noites de maio em que o GP de Fórmula 1 fez a cidade fervilhar. Foram vendidos apenas duzentos ingressos para jantar, a 3 mil dólares cada, com direito a shows ao vivo (Andrea Bocelli na estreia). E vem mais por aí: o time está construindo um edifício que abrigará apartamentos de luxo, hotel e restaurantes, com inauguração prevista para 2024. Já se somam mais de 30 restaurantes espalhados por nove cidades em quatro países. Se temem estar indo rápido demais? De jeito algum. “O novo dá medo, mas também é o que nos dá gás”, diz Mario.

Quando ainda morava com os pais, ele gastava todas as suas economias comendo nos restaurantes com a cotação máxima do "New York Times" para decifrar como se tornar “um dos melhores da cidade”. Certa vez, avistou Vongerichten entrando no salão do mais estrelado de todos os restaurantes de seu império: o homônimo Jean-Georges, no Central Park. Mexido pelo simples fato de estar no mesmo espaço que aquele personagem que tanto admirava, pensou: “Esse cara é um gladiador; quero ser como ele”.

Em número de restaurantes, os garotos do Queens e seus investidores estão longe de alcançar o gladiador Vongerichten, que está prestes a abrir seu 50º, em Mônaco. O trunfo do Major Food Group é criar e replicar espaços teatrais e vintage que transportam seus clientes, através dos pratos e do décor, a diferentes mundos, onde a vida é linda, a vibe é festiva e a comida, gostosa. Todos desejamos nos perder num cenário de filme com final feliz — mesmo que seja por poucas horas e muitos dólares.

EM MAIO

pt-br

2022-06-10T07:00:00.0000000Z

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