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DEVAGAR, INCRÍVEL HULK

Pressa pelo corpo perfeito pode jogar contra a saúde

“TODAS AS VEZES EM QUE VOCÊ TREINA, HÁ MICROLESÕES MUSCULARES, E ELAS FAZEM PARTE DO DESENVOLVIMENTO. O IMPORTANTE É TER UMA RECUPERAÇÃO CONDIZENTE COM O EXERCÍCIO."

ESTHELA OLIVEIRA, MÉDICA DO ESPORTE

Mas sempre fui muito vaidoso, e foi dentro daquela coisa da masculinidade de 'Pode dar o treino que você quiser, que eu não arrego'. Com isso, o personal foi incentivado a passar um treino forte. Senti fadiga, mas não quis parar para mostrar que aguentava, e acabou acontecendo isso tudo. Queria impressionar a mim mesmo e a ele. Era uma autossuperação", recorda.

Desafiar-se na atividade física pode ser algo bonito e inspirador, mas para tudo há limite. “O exercício é um excelente remédio e, como todo remédio, pode virar veneno em alguma dose”, diz o médico do esporte Eduardo Rauen. “Muitas pessoas ficaram sedentárias nos dois anos de pandemia e agora decidiram correr atrás do corpo perfeito em dois ou três meses. Por isso estamos vendo com frequência casos como a rabdomiólise, em especial quando a atividade física não tem o acompanhamento profissional de um educador físico.”

URINA PRETA

A rabdomiólise é uma condição de destruição da musculatura que decorre de outros problemas de saúde. É comum em casos de politraumatismo depois de aciden

tes de carro, de avião ou de moto. Também pode decorrer de outras infecções, inclusive a leptospirose. “Quando existe essa destruição das células musculares, as substâncias que são liberadas precisam ser eliminadas pelos rins, pois ela provoca um acúmulo de ácido que, no sangue, pode ser fatal; causa arritmia, lesão cerebral e até coma — e a rabdomiólise, uma insuficiência renal aguda”, diz Carlos Machado, clínico geral, nefrologista e especialista em medicina preventiva.

Diferentemente de uma batida de carro, a doença pode vir de um estímulo mais prolongado, como uma maratona ou uma sequência de sessões extenuantes. O nível de enzima CPK acima do normal costuma ser um sinal de alerta. Tanto no homem quanto na mulher, ele fica em torno de 150 e 170. Quando passa de 200, já há suspeita de que algo não está bem. A hemodiálise imediata, logo que feito o diagnóstico, é um procedimento comum para evitar a morte do paciente.

A urina escura, com coloração semelhante à de um refrigerante à base de cola, é outro sinal de alerta imediato. Entre os sintomas mais perceptíveis, vale ficar atento à dor muscular. Quem vai para a academia e faz uma atividade forçada acaba agredindo um pouco a musculatura. “Por isso a gente tem que fazer atividade física progressiva e não de forma agressiva, de uma vez só”, aconselha Machado.

NUTRIÇÃO

Há anos, o Comitê Olímpico Internacional se uniu para falar sobre um problema grave que afeta muitos atletas de alto rendimento: a deficiência de enrgia relativa no esporte, conhecida também como RED-S (pelo nome em inglês relative energy deficiency in sport). Ela é resultado do desequilíbrio entre o consumo e o gasto energético e afeta também os atletas amadores, em especial quando fazem dieta de restrição calórica sem supervisão. Os problemas vão da anemia à osteoporose. “As mulheres têm um sinal mais claro, que é a amenorreia (interrupção da menstruação). Nos homens, um emagrecimento muito rápido é sinal de alerta”, diz Eduardo Rauen.

OVERTRAINING

O exagero no treinamento pode se manifestar de muitas outras maneiras, físicas e psíquicas, que estão no território do overtraining. Essa síndrome acontece quando o atleta faz mais exercícios do que seu corpo é capaz de aguentar. E isso vale para provas de força ou aeróbicas, nos esportes que podem parecer mais inocentes, como os coletivos com bola.

O praticante acaba encontrando o contrário do que busca: perda de condicionamento físico, com redução de força e resistência, e a sensação de fadiga crônica.

A frequência cardíaca em repouso se eleva substancialmente, e o atleta (profissional ou amador) pode experimentar mudança de humor, com quadro de depressão e irritabilidade, e prejuízo à saúde sexual, além de péssimas noites de sono.

“Todas as vezes em que você treina, há microlesões musculares, e elas são parte importante do desenvolvimento. Quando existe exagero, a recuperação deve ser proporcional. Uma maratona, por exemplo, exigirá um tempo muito maior, porque a lesão é grande”, explica a médica do esporte Esthela Oliveira.

Emendar um treino após o outro, sem a devida supervisão, é abrir caminho para uma gama de problemas. Pode haver uma liberação muito grande de substâncias tóxicas e, por consequência, uma inflamação. A câimbra depois de muito esforço, por exemplo, vem da descarga excessiva de ácido láctico. E, em alguns casos, há uma perda de massa muscular ao invés de ganho, levando a um envelhecimento precoce e ao aumento de radicais livres.

SOMBRA E ÁGUA FRESCA

Treine com moderação, é claro — e cabem aqui outros conselhos de avó. Descansar adequadamente após os treinos para que os músculos se regenerem é o melhor autocuidado que o atleta pode ter. Tomar bastante água depois dos exercícios auxilia a tonificação e a hidratação do organismo que foi altamente exigido durante a atividade. E a atenção vale para tudo na vida: evitar junk food e adotar uma alimentação leve e indicada por um nutricionista é o ideal para harmonizar a rotina de treinos. “Além disso, o sono é o regenerador natural do nosso organismo. Dormir pelo menos oito horas diárias é essencial”, diz Fernando Cerqueira, nutrólogo responsável pela Clínica FC.

EM MAIO

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2022-06-10T07:00:00.0000000Z

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